Um esquema bilionário no Denatran

 

 

Privatização da gestão das vistorias veiculares no País é considerada irregular pelo Ministério Público. O negócio que movimenta R$ 5 bilhões foi articulado pelo senador Ciro Nogueira

Há sete anos, o PP controla o Ministério das Cidades. Mas o partido não é homogêneo. Na lógica partidária de loteamento da pasta, o Denatran tornou-se feudo do senador piauiense Ciro Nogueira. Toda resolução emitida pelo órgão é antes discutida a portas fechadas num escritório de advocacia em Brasília. No fim do ano passado, o senador teve um encontro com o diretor do Denatran, Júlio Arcoverde, o ex-deputado Inaldo Leitão, o coordenador-geral de informatização Roberto Craveiro e o lobista Gil Pierre Herck, afastado em dezembro, após ISTOÉ denunciar que ele trabalhava em benefício de ex-sócios e integrantes da Associação Nacional das Empresas de Perícias e Inspeção Veicular (Anpevi). O objetivo da reunião era discutir a evolução do processo de privatização das vistorias no País. Foram debatidas estratégias para tornar a vistoria veicular também obrigatória para a emissão do licenciamento anual dos veículos e maneiras de garantir o controle sobre a administração de um negócio de legalidade suspeita e que movimenta R$ 5 bilhões por ano, as chamadas UGCs, Unidades de Gestão do Cadastro Veicular.

O negócio, questionado pelo Ministério Público e alvo de investigação da Polícia Federal, foi idealizado no início da gestão do PP nas Cidades e posto em prática a partir da publicação da resolução 282, de 2008, que passou à iniciativa privada a competência para a realização de vistorias – antes exclusivas dos Detrans. Para a gestão dos laudos de vistoria, foi criado um sistema operado pelas UGCs, que passaram a agir como intermediárias entre as empresas de vistoria e o Denatran. Hoje, para a empresa de vistoria operar ela precisa estar credenciada à UGC, que cobra uma taxa pelo acesso ao banco de dados do Renavam. O problema é que, ao criar as UGCs, a turma de Ciro Nogueira, além de não ter recorrido à licitação, como previsto em lei, numa canetada concedeu a um grupo seleto de cinco empresas o direito de comercializar informações do poder público.

Os atos administrativos que criaram as UGCs são questionados na Justiça Federal em vários processos movidos pelo Ministério Público, Detrans e sindicatos de despachantes. Numa ação acolhida pela Justiça Federal em Minas Gerais, por exemplo, o procurador Tarcísio Henriques Filho exige a suspensão das vistorias em território nacional e a intimação da cúpula do Denatran. Alega que vistoria é “exercício do poder policial” e deveria continuar sendo prestado pelos Detrans. O Tribunal de Justiça do DF, em decisão da Quarta Turma Cível, questiona também a concessão do serviço às UGCs sem licitação. Em outra ação que corre na Justiça Federal do DF, o advogado Everton Calamucci, presidente da Federação Nacional dos Despachantes, denuncia que haveria uma única UGC vendendo o acesso a outras quatro. As suspeitas recaem sobre a Oxxy.Net, conhecida no mercado pelo nome AutoConsulta. Ela foi credenciada no ano passado junto com as empresas Compuletra, Praxis, Otimiza e TAN.

A PF tem informações de que a Oxxy teria o lobista Gil Herck como sócio oculto. Um “termo de compromisso” foi assinado em 8 de dezembro de 2008 entre Herck e os empresários Humberto Celina, Vagner Caovila, Marciano Nascimento e Carlo Cigna. Um mês depois, foi constituída no número 404 da rua Sete de Abril, em São Paulo, a Oxxy.Net Consultoria. Curiosamente, no mesmo endereço funcionam a Oxxygenium Digital Technologies, que desenvolve a plataforma usada pela Oxxy para credenciar as empresas de vistoria, e as empresas ClickConsult e ClickAuto. Esta tem como sócios Caovila, presidente da Anpevi e advogado de Herck, e a empresa Checkauto Informações Veiculares, investigada pela PF por venda de dados do Renavam. Apesar de estar na mira do MP, Ciro Nogueira garante que não participa de encontros em escritórios de advocacia e que só passou a ter influência no Denatran com a nomeação de Júlio Arcoverde.  “O antecessor era da cota do Mário Negromonte. As investigações são da gestão deles.
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